quinta-feira, 26 de novembro de 2009

A democracia pós-moderna


A democracia pós-moderna é "democracia sem democratas". Substituiu o sujeito da intimidade por uma identidade pessoal sem pessoa, baseada não em valores morais admiráveis e dignos de renome, mas no modelo das celebridades e dos "conselheiros em comunicação".

A democracia moderna se expressa na idéia de espaço público, cuja certidão de nascimento foi a polis grega. Inventora da política, esta significou o advento da isonomia (as mesmas regras válidas para todos os cidadãos), da isegoria (todos podendo tomar a palavra em público) e da democracia, porque todos igualmente legisladores. Findava então o poder privado, cujos modelos foram o pater familias, o comandante militar e o chefe religioso. Por isso, a democracia moderna se fundava em leis pan-inclusivas e universalizantes, baseadas no indivíduo considerado racional e livre. Suas instituições mediavam conflitos e acordos, como partidos, sindicatos, federações patronais, movimentos sociais e organizações de base, que produziam uma determinada representação de si constituindo, assim, sua identidade.

A democracia pós-moderna é "democracia sem democratas". Substituiu o sujeito da intimidade por uma identidade pessoal sem pessoa, baseada não em valores morais admiráveis e dignos de renome - como Sócrates que, por seu modo de vida filosófico, tornou-se o patrono da filosofia -, mas no modelo das celebridades, a que, na política, correspondem "conselheiros em comunicação". Se a democracia moderna valia-se do “decoro e do discreto”, estes indicavam o que deveria estar “ fora do campo de visão”— o obsceno, o “excluído da cena, o intolerável ao olhar ou ao pudor (assassinatos, grandes deformidades corporais, crueldades, pornografia, sentimentos pessoais, emoções, preferências religiosas ou sexuais). A democracia pós-moderna, ao contrário, promove a desinibição, triunfando a visibilidade total, uma vez que tudo merece ser visto, tanto o palco quanto os bastidores, o corpo, a consciência e o inconsciente. Da sala de estar ao quarto de dormir, tudo deve ser “democratizado” porque neles também há injustiça, poder e dominação, como na sociedade.

Desaparece a Lei moderna que postulava os homens responsáveis e iguais, de modo que a justiça pós-moderna os entende “particularizados” em grupos. Porque a pós-modernidade é a da sociedade de massa, do consumo e do espetáculo, a individualidade se faz segundo o que Freud denominou “narcisismo das pequenas diferenças” e René Girard de “rivalidade mimética”. Todos desejam as mesmas coisas porque um outro já as desejou antes de nós e é seu possuidor, devendo, como concorrente, ser destruído.

A justiça moderna investigava a “verdade” para estabelecer o dano e a reparação. A pós-moderna preocupa-se apenas com a formalidade das condições em que ela veio a público. Não que prescinda da lei, mas a cumpre no âmbito de insegurança jurídica, dando espaço a ilegalidades. De onde a objetividade do mundo ter-se convertido em negociações entre vítima e juiz, de que decorrem os pedidos de indenização material. Tudo se torna objeto de legislação: assédios, discriminações raciais, religiosas, de sexo, no espaço público, na esfera privada e da intimidade. Nos EUA, a legislação anti-tabagista ingressa no recinto da própria residência do fumante, que pode ser denunciado por familiares ou vizinhos descontentes.

A idéia de igualdade pós-moderna é a da proliferação de regulamentações, adaptadas ao consumo de direitos em uma sociedade que não é mais moderna - a do contrato social - mas pós-moderna - a da guerra de todos contra todos. A democracia pós-moderna associou política e dissimulação, resultando o prestígio da "sinceridade". Assim, se a política moderna se exercia na "distância" do governante no espaço público, a pós-moderna é a da intimidade midiática que exibe o "autêntico". O representante político é construído como "homem comum", com seus vícios e virtudes, para ser amado ou odiado. Aqui operam os mecanismos de massa que fazem do governante o “bode expiatório”, como mostram Michel Aglietta e André Orléan em "A Violência da Moeda".

A igualdade moderna supunha diferenças - sexuais, étnicas, raciais ou religiosas - a serem reconciliadas, a pós-moderna as estabelece positivadas. Nessa entidade sedentária, há o direito à diferença mas visando a igualdade de inclusão social no mercado onde sobrevive o mais “apto” a conquistar seus “ privilégios” (privus lex, private legus, sendo, justamente, “lei privada”, o “favor” no direito medieval europeu). O mercado requer dissolução da individualidade, compreendida como obstáculo ao consumo e ao mercado padronizador. De onde o fim da diferença - entre as gerações, entre os sexos, entre a linguagem oral e a escrita, entre os comportamentos formais e os informais.

Todos cedem à palavra de ordem “flexibilidade”, a primeira e a última qualidade que o mercado exige de cada um.

Olgária Mattos é filósofa, professora titular da Universidade de São Paulo.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

“Quem acha que a gente não pode conversar é tão intolerante quanto aqueles que não querem a paz.”

Não defendo o Ahmadinejad (está muito longe de ser um democrata!) e nem o presidente Lula eu acredito que o defenda. Apenas acredito que um chefe de Estado deve estar aberto ao diálogo. Abaixo algumas palavras de Lula sobre a polêmica vinda do presidente do Irã ao Brasil:

“Ora, acontece que se tem um conflito, se tem uma divergência, e não é curta, é uma divergência muito longa, de muito tempo, não adianta você isolar as pessoas. É preciso você estabelecer um diálogo, uma política muito séria de conversação, para que você possa, então, acreditar que é possível estabelecer a paz no Oriente Médio”

“É preciso que a gente agora comece a perguntar quem é que não quer a paz. E detectar quais são os grupos que estão radicalizando para não ter a paz. Porque é com esses que nós precisamos procurar parceiros para conversar”

“Quem acha que a gente não pode conversar é tão intolerante quanto aqueles que não querem a paz.”

A sociologia do pânico


A sociologia do pânico substituiu os economistas do desastre que alimentaram na mídia liberal conservadora o diagnóstico de que o governo Lula iria jogar o país numa crise sem precedentes. Como a economia vai bem, a oposição se voltou para o sistema político, com foco no executivo, alvo de seus prognósticos catastróficos.

Com a aproximação do fim do mandato de Lula e o acirramento das disputas em torno do poder político, surgiu uma nova abordagem no meio acadêmico, mais especificamente no campo sociológico. Seu objeto são as eleições de 2010, e sua metodologia a difusão do pânico. A sociologia do pânico substituiu os economistas do desastre que alimentaram na mídia liberal conservadora o diagnóstico de que o governo Lula iria jogar o país numa crise sem precedentes.

Ocorre que o capitalismo brasileiro, como reconhecem praticamente todos os economistas, tornou-se sólido, com um setor industrial desenvolvido, um mercado interno em expansão, um forte agronegócio, e um sistema financeiro organizado, que atravessou sem maiores problemas a crise mundial de 2008.

Como a economia vai bem, a oposição se voltou para o sistema político, com foco no executivo, alvo de seus prognósticos catastróficos. Em texto amplamente divulgado pela imprensa, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sustenta que “o DNA do autoritarismo popular vai minando o espírito da democracia constitucional” e acrescenta que “vamos regressando a formas políticas do autoritarismo militar”.

O presidente Lula deteria “um poder sem limites”, de caráter burocrático-corporativo. Como a vitória de Dilma possibilitará a emergência do subperonismo no Brasil encarnado na figura de Lula, é preciso dar um basta no continuísmo antes que se consolide o atraso representado na aliança entre Estado, sindicatos, movimentos sociais, fundos de pensão e grandes empresas, cada vez mais fundidos nos altos fornos do tesouro.

Na mesma linha de raciocínio encontra-se o texto do sociólogo Werneck Vianna apropriado por um colunista de O Globo. O governo Lula faz uma volta ao passado com a revalorização do Estado Novo e dos governos militares, cujas doutrinas remontam a Oliveira Vianna e Alberto Torres. Os mortos continuam comandando os vivos e o espírito da Ibéria cobra o seu preço diante de um mercado que não consegue se auto-regular. Como decorrência, a democracia brasileira perde seus fundamentos quando a “sociedade em sua diversidade se deixa submeter ao Estado, conferindo à liderança de um chefe de governo carismático a tarefa de cimentar a unidade de seus contrários”.

Pouco depois, o historiador Carlos Guilherme Mota, em entrevista ao jornal Estado de São Paulo, critica Lula e diz que seu governo é pior do que subperonismo, porque "o peronismo politizava e o pobrismo do Brasil avilta"...

O que há de comum nessas interpretações? Mais do que a preocupação liberal com o equilíbrio de poder entre as instituições, o que está em jogo é o poder político e os recursos disponibilizados pelo Estado. Afinal, como até há pouco tempo prevalecia a tese de “primeiro crescer para depois repartir”, a melhora da qualidade de vida da população não acompanhou o crescimento econômico do país.

Nesse ponto vale resgatar o pensamento de Florestan Fernandes, cuja obra tornou-se clássica na sociologia brasileira. O mestre Florestan continua atual e foi claro no livro “A Revolução Burguesa no Brasil”. A burguesia no Brasil detêm um forte poder econômico, social e político, de base e de alcance nacionais. Sempre atua e reage preventivamente quanto às mudanças mais profundas que devem ser realizadas para expandir a democracia no Brasil.

Uma dessas mudanças é, sem dúvida, a redução da desigualdade social. Basta uma rápida comparação na distribuição da renda nos governos FH e Lula. São inversamente proporcionais. No governo FH, a renda caiu vertiginosamente; no governo Lula, subiu de forma expressiva. No que se refere ao desemprego, o fenômeno foi exatamente o inverso, conforme mostram os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD 2008/IBGE.

O governo Lula ampliou o mercado interno trazendo para a esfera do consumo as classes C e D que passaram a constituir demanda para a pequena e média empresa em todo o país. Isso contribuiu para o crescimento econômico, assegurado sem inflação, com aumento real de poder aquisitivo para as camadas de baixa renda.

Os estímulos concedidos pelo governo levaram a uma rápida superação da crise econômica. Isso explica porque o objetivo de alguns sociólogos da oposição é semear o pânico no campo político, já que no econômico o governo Lula teve excelente desempenho, ao contrário do que previam os economistas liberais sempre presentes na mídia.

Mas, também no campo político, esses sociólogos vão malhar em ferro frio. O governo Lula é talvez o mais democrático da história política brasileira. Além disso, fortaleceu o Brasil no cenário internacional em função dos interesses brasileiros e latinoamericanos, rompendo com a dependência tradicional em relação aos interesses norteamericanos.

As elites estão divididas. Alguns segmentos estão satisfeitos com a situação econômica. Outros, mais ligados ao poder político, estão desesperados e tentam manipular a opinião pública por meio da mídia.

Lula está sendo criticado mais pelas suas virtudes do que pelos seus defeitos. É curioso observar que esses críticos não abordaram a questão da ética, nem atacaram, por exemplo, o lado mais vulnerável do governo que é a questão ambiental.

O governo brasileiro reluta em levar metas definidas à conferência da ONU sobre clima, em Copenhague. O Brasil pode, mais uma vez, perder a chance de assumir liderança mundial na questão climática que se torna hoje uma prioridade global.

Mas a sociologia do pânico nem tocou nesse assunto, influenciada certamente pela visão produtivista que predomina no mercado. É pena, porque dentro de vinte ou trinta anos os governos vão ser julgados menos pelas obras e mais pelo que fizeram para combater o aquecimento global e evitar as mudanças climáticas que ameaçam a humanidade.

Essas questões, porém, passam longe das preocupações da sociologia do pânico, interessada apenas no poder político em jogo nas eleições presidenciais de 2010.

Liszt Vieira é Sociólogo, Professor da PUC, Presidente do Jardim Botânico do Rio. Aloysio Castelo de Carvalho é Professor da Faculdade de Economia da UFF e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFF.

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http://www.cartamaior.com.br/templates/analiseMostrar.cfm?coluna_id=4474

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

DIA DO PROFESSOR


Ainda que desprestigiado em nosso país, o professor (ou melhor, o EDUCADOR) é fundamental para o crescimento de uma nação, para o fortalecimento de uma sociedade, para a construção da cidadania.

Professor não é apenas aquele que ensina, mas aquele que apóia, aquele que acolhe, aquele que fala, mas também ouve, aquele que ajuda a construir o conhecimento. O professor é aquele que sempre aprende!

Abaixo coloco alguma palavras que recebi por e-mail sobre professores para refletirmos um pouco sobre esta nobre profissão.


PARA SOLO E ORQUESTRA
Nilma Lacerda


“Tem professor que segue o livro. Tem professor que duvida. Tem professor que arma conta. Tem professor que pensa o problema. Tem professor que aceita o caderno de caligrafia. Tem professor que aposta na folha em branco. Tem professor que ensina o uso da régua e esquadro. Tem professor que prefere à mão livre. Tem professor que gosta de flor no caderno. Tem professor que prefere a pauta. Tem professor com voz de trombone. Tem professor com voz de flauta. Tem professor que deixa entrar depois da chamada. Tem professor que não dá presença para quem chega atrasado. Tem professora que é meiga e o aluno aprende melhor. Tem professor que é durão e o aluno aprende pra sempre. Tem professor que chora de emoção quando o aluno difícil aprende a escrever o nome. Tem professor que ri quando pega a carta de amor escondida entre as folhas do exercício. Tem professor para quem a letra é um traço escuro na folha branca. Tem professor para quem a letra é um risco claro no espaço escuro. Tem professor que gosta do livro na escola. Tem professor que prefere o livro na vida. Tem professor pra quem biblioteca é o prédio mais importante de um país. Tem professor que acha que a biblioteca é dentro de cada um: pode-se mergulhar. A orquestra se faz de agudos e graves e a música nasce da disposição das vontades e dos talentos dos maestros.”

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Fim do complexo de Peter Pan




Acaba de sair o resultado do COI e o Rio de Janeiro será a sede das Olimpíadas de 2016. A importância deste fato histórico é muito grande, principalmente se o compreendermos no contexto em que estamos vivendo atualmente.
Para aqueles sempre céticos e/ou preconceituosos o que se diz é que no Rio só há violência, que não estamos preparados, que somo um país atrasado, que é megalomania querer sediar uma Olimpíada.
Ora, será que devemos sempre seguir com o nosso complexo de Peter Pan, de querer sempre continuar sendo pequenos? Com certeza não! O Brasil hoje está cada vez mais forte interna e externamente. Quem não quiser ver isto talvez ainda carregue o seu preconceito de não querer aceitar que o Brasil está deixando de ser o país do futuro, como se disse por muito tempo. O Brasil está passando a ser o país do presente, e para muitos é difícil assumir isto. Pois acredito que esta escolha é um marco para que possamos erguer a cabeça e assumirmos que somos gente grande!
Internamente tivemos em setembro os novos números do IBGE que mostram o crescimento em todas as áreas sociais em nosso país nos últimos anos. É claro que ainda temos muito a melhorar e sempre teremos, mas que avançamos isto é inegável. A crise econômica que aqui foi apenas uma “marola”, como previa o Presidente, a presença mais efetiva do Estado nas áreas sociais e na infra-estrutura, a descoberta do pré-sal, entre outros aspectos, fazem com que possamos sim acreditar que realmente estamos no caminho correto.
Externamente o Brasil se firma com destaque no cenário internacional como um país de grande relevância. A importância do G-20 em lugar do G-8, com o Brasil sendo um dos protagonistas, e seu destaque econômico e político no mundo hoje não tem precedentes em nossa história.
Organizar uma Olimpíada dois anos depois de uma Copa do Mundo não apenas nos coloca definitivamente na vitrine mundial, como nos trará conseqüências históricas de grande importância. Os investimentos em diferentes áreas como de construção, serviços, educação, segurança; o resgate do Rio de Janeiro que volta a ser a Cidade Maravilhosa; o resgate de nossa auto-estima, do nosso orgulho; mostram ao mundo que o Brasil está aí e não é mais um país submisso.
Somos o país do presente, mas olhando o futuro e para isso não esquecemos de nosso passado, pois assim podemos valorizar ainda mais as condições que temos hoje para, de cabeça erguida, ver que crescemos, que estamos avançando e podemos gritar aos quatro ventos: sim, nós podemos!

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Medo da democracia



“A política deve ser uma coisa diferente desse universo, digno da ficção científica, no qual o povo só existiria sob a forma de sondagens(de preferência telefônicas) e assistiria na televisão às lutas que, ‘em seu nome’, seriam travadas pelos diferentes clãs de um mundo político que, de fato, obedeceria exclusivamente à lógica de suas lutas intestinas.”
(Patrick Champagne, Formar a Opinião:O Novo Jogo Político)

Na última segunda-feira (31/08) tivemos em Rio Grande um importante fato que atenta contra a democracia. É impressionante como ainda temos em nosso município, em nossa casa legislativa, o medo da participação popular e, portanto, medo da democracia.
Foi derrotado o projeto de criação da Tribuna Popular por ampla maioria dos vereadores, defensores ferrenhos do governo municipal. Qual o medo de ter representantes da sociedade civil utilizando a tribuna por dez minutos, uma vez por mês? A Câmara de Vereadores é a casa do povo e acredito que a idéia de Tribuna Popular não só deveria ter sido aprovada como poderia ser mais ampla e com mais tempo.
Alguns vereadores argumentaram que quem quiser utilizar a tribuna que se eleja, em uma clara demonstração de desprezo pelo povo, a crença de que uma vez eleitos são donos dos seus mandatos, quando na verdade a soberania é do povo e não dos eleitos. Ainda a justificativa de que não deveriam ser os representantes de entidades de nosso município, como sindicatos e associações de bairro, que deveriam participar. Ora, são estes os representantes de regiões, grupos de interesse, categorias profissionais, muitas vezes com mais força representativa que muitos vereadores rio-grandinos. Defender que a sociedade civil não deve ter espaço para ser ouvida é enterrar a democracia em nossa cidade!
De resto a sessão foi uma tentativa de justificar o injustificável, de justificar que não se pode ampliar a democracia em um espaço que deveria ser democrático por natureza.
Por que o medo da sociedade? Por que querer calar os representantes da sociedade civil?
Aí vem o argumento mais absurdo, que esta proposta serviria para se fazer política na Câmara de Vereadores. Ora, nem em Sucupira veríamos isto. Se não se pode fazer política em uma casa legislativa, onde se fará? O legislativo é um espaço público e deve ser apropriado para a discussão e o debate político ou perde sua razão de existência.
Evidente que a sociedade organizada participando gera desconforto para aqueles que querem seus cargos apenas para fazer clientelismo e serem serviçais do executivo.
Não dar espaço para participação é ferir a democracia, é derrotar a política. Segundo o importante sociólogo francês, Pierre Bourdieu: “se o trabalho político é, quanto ao essencial, um trabalho sobre as palavras, é por que as palavras ajudam a fazer o mundo social”. Se formos tolher as palavras da sociedade, onde estará a política?
É preciso que se busque formas de participar, de se discutir, de fazer política, de se exercer cidadania. É preciso que as instituições políticas locais que são aquelas mais próximas das pessoas não se tornem o instrumento opressivo de um conformismo anônimo.


Cristiano Engelke

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Bauman na Cult de agosto


A Revista Cult do mês de agosto publica uma entrevista e um texto inédito de Zygmunt Bauman. Reproduzo aqui um trecho dessa entrevista.

CULT - Na obra Tempos líquidos, o senhor afirma que o poder está fora da esfera da política e há uma decadência da atividade do planejamento a longo prazo. Entendo isso como produto da crise das grandes narrativas, particularmente após a queda dos regimes do Leste Europeu. Diante disso, é possível pensar ainda em um resgate da utopia?
Zygmunt Bauman - Para que a utopia nasça, é preciso duas condições. A primeira é a forte sensação (ainda que difusa e inarticulada) de que o mundo não está funcionando adequadamente e deve ter seus fundamentos revistos para que se reajuste. A segunda condição é a existência de uma confiança no potencial humano à altura da tarefa de reformar o mundo, a crença de que "nós, seres humanos, podemos fazê-lo", crença esta articulada com a racionalidade capaz de perceber o que está errado com o mundo, saber o que precisa ser modificado, quais são os pontos problemáticos, e ter força e coragem para extirpá-los. Em suma, potencializar a força do mundo para o atendimento das necessidades humanas existentes ou que possam vir a existir.

CULT - Por que se fala tanto hoje de "fim das utopias"?
Bauman - Na era pré-moderna, a metáfora que simboliza a presença humana é a do caçador. A principal tarefa do caçador é defender os terrenos de sua ação de toda e qualquer interferência humana, a fim de defender e preservar, por assim dizer, o "equilíbrio natural". A ação do caçador repousa sobre a crença de que as coisas estão no seu melhor estágio quando não estão com reparos; de que o mundo é um sistema divino em que cada criatura tem seu lugar legítimo e funcional; e de quemesmo os seres humanos têm habilidades mentais demasiado limitadas
para compreender a sabedoria e harmonia da concepção de Deus.
Já no mundo moderno, a metáfora da humanidade é a do jardineiro. O jardineiro não assume que não haveria ordem no mundo, mas que ela depende da constante atenção e esforço de cada um. Os jardineiros sabem bem que tipos de plantas devem e não devem crescer e que tudo está sob seus cuidados. Ele trabalha primeiramente com um arranjo feito em sua cabeça e depois o realiza.
Ele força a sua concepção prévia, o seu enredo, incentivando o crescimento de certos tipos de plantas e destruindo aquelas que não são desejáveis, as ervas "daninhas". É do jardineiro que tendem a sair os mais fervorosos produtores de utopias. Se ouvimos discursos que pregam o fim das utopias, é porque o jardineiro está sendo trocado, novamente, pela ideia do caçador.

CULT - O que isso significa para a humanidade de hoje?
Bauman - Ao contrário do momento em que um dos tipos passou a prevalecer, o caçador não podia cuidar do global equilíbrio das coisas, natural ou artificial. A única tarefa do caçador é perseguir outros caçadores, matar o suficiente para encher seu reservatório. A maioria dos caçadores não considera que seja sua responsabilidade garantir a oferta na floresta para outros, que haja reposição do que foi tirado.
Se as madeiras de uma floresta forem relativamente esvaziadas pela sua ação, ele acha que pode se deslocar para outra floresta e reiniciar sua atividade. Pode ocorrer aos caçadores que um dia, em um futuro distante e indefinido, o planeta poderia esgotar suas reservas, mas isso não é a sua preocupação imediata, isso não é uma perspectiva sobre a qual um único caçador, ou uma "associação de caçadores", se sentiria obrigado a refletir, muito menos a fazer qualquer coisa.
Estamos agora, todos os caçadores, ou ditos caçadores, obrigados a agir como caçadores, sob pena de despejo da caça, se não de sermos relegados das fileiras do jogo. Não é de admirar, portanto, que, sempre que estamos a olhar a nosso redor, vemos a maioria dos outros caçadores quase sempre tão solitária quanto nós. Isso é o que chamamos de "individualização".
E precisamos sempre tentar a difícil tarefa de detectar um jardineiro que contempla a harmonia preconcebida para além da barreira do seu jardim privado. Nós certamente não encontraremos muitos encarregados da caça com interesse nisso, e sim entretidos com suas ambições. Esse é o principal motivo para as pessoas com "consciência ecológica" servirem como alerta para todos nós. Esta cada vez mais notória ausência do jardineiro é o que se chama de "desregulamentação".

sábado, 4 de julho de 2009

Quase férias

Final de semestre, faculdade terminando as aulas, colégio quase. Realmente estou precisando de um descanso, por menor que seja. Ontem teve confraternização de professores e funcionários da Faculdade e infelizmente não pude ir. Acordar sábado de manhã cedo complica!
Não terei férias mesmo por que continuarei dando aula, mas pelo menos ficará por duas semanas mais tranquilo, podendo descansar um pouco e aí sim me reorganizar e fazer este blog voltar a funcionar.
Esta postagem é apenas um OI, um " estou vivo" e vou voltar a postar de verdade!
Beijos e abraços

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Re-retorno


Não sei nem se existe esta expressão re-retorno, mas de qualquer jeito estou tentando voltar a postar (mais uma vez!).
Um post sobre algo de nossa sociedade e meu ao mesmo tempo, uma reflexão. Nada de novo, apenas uma reflexão.
"É complicado". Tudo hoje em dia é complicado. Realmente, a instabilidade, a incerteza, são marcas de nosso tempo e isso torna tudo complicado. Mais uma vez sou obrigado a me referir aos trabalhos de Zygmunt Bauman e sua "modernidade líquida". Segundo ele, vivemos em um mundo de incertezas e a única certeza é que teremos cada vez mais incerteza. Com base nas idéias de Freud, de Sicherheit (traduzido por segurança, mas que é mais que isso, é também certeza, garantia) como marca da modernidade, hoje saímos deste momento e estamos imersos na insegurança, na incerteza, na falta de garantias. O que era sólido, firme, agora é fluido, líquido.
Me permito parafrasear Marx: "tudo o que é sólido se desmancha no ar". É verdade. E se for líquido então, se desmancha ainda mais fácil.
Não é por acaso que vivemos a época do indivíduo em depressão. não que a depressão seja apenas um problema social. Claro que é uma doença, um problema clínico do indíduo, mas é também um sintoma da sociedade em vivemos. Nem as relações amorosas, nem as famílias escapam da liquidez moderna! Sem sociedade, com o mundo líquido o peso cai todo nas costas do indivíduo só. Um mundo individualista e incerto pode nos dar alguma garantia? Qual segurança? Qual felicidade? O que esperar do futuro em um mundo líquido?
Puxa vida, eu gostaria de poder responder estas questões, mas não posso. não sei nem de minha vida, muito menos da sociedade como um todo. Por isso não há outra saída a não ser viver, trabalhar, seguir tentando, lutando, acreditando na possibilidade de uma vida em sociedade mais firme, mais sólida.
É, não adianta, a vida é muito dinâmica mesmo!

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Retorno


Finalmente após alguns meses o blog volta à ativa.
Espero poder continuar sem mais pausas longas como esta.
2009 está sendo um ano diferente, com trabalho diferente, relações diferentes, mas agora estou no ritmo da vida nova e posso tranquilamente voltar a escrever aqui. A experiência de Ensino Médio está me fazendo não apenas ensinar, mas principalmente aprendendo muita coisa nova e analiso como muito positiva e satisfatória.
O que finalmente me motivou a retornar ao blog foi, além disso, os protestos londrinos contra a reunião do G-20. Movimentos sociais chamados de "anti-globalização" (termo que não concordo, pois não são contra a globalização, mas sim contra o modelo neoliberal, privatista de globalização) protestam em Londres, algo difícil de ser visto, ainda mas na terra da rainha!
Movimentos que eram fortes na virada do milênio, nos últimos anos pareciam ter perdido força, mas finalmente, graças à crise, estão de volta. E acabo de ver a notícia que teremos novamente o Fórum Social Mundial em Porto Alegre, como uma das sedes, já que agora ele é descentralizado. Lá estarei eu de novo!
Fortalecimento do Estado, investimento em políticas sociais, retorno dos movimentos sociais, tudo isso parece deixar claro que realmente estamos vivendo um momento de transição. Fico ao mesmo tempo contente e apreensivo. Contente por ver que temos de volta muitas coisas que são importantes para o bom funcionamento do Estado e sociedade e que teremos um futuro diferente do que vivemos nos últimos anos. Por outro lado, apreensão, pois não sabe-se exatamente para onde vamos. Será que teremos uma nova ordem econômica global? Para onde irá o capitalismo?
Bom, depois volto a tratar deste e outros assuntos. Este post era só para dar um oi, para avisar que estou de volta.
Abraços

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Ainda a crise



A crise

Muito já se escreveu sobre a crise. Crise dos "subprime", crise especulativa, bancária, financeira, global, réplica da crise de 1929, etc. Floresce uma fenomenologia da crise, em que o que se falou ontem é hoje obsoleto. Os grandes jornais, começando pelo "Economist", falam em "crise de confiança", e a máxima se esparrama. A crise se resume a um ato volitivo. "Fiducia!", diriam os latinos. Eis a chave analítica.

Bush, Sarkozy e Gordon Brown redescobriram, então, o estatismo todo privatizado como receituário para eliminar a desconfiança. O remédio neokeynesiano, sepultado nas últimas quatro décadas, ressurge como salvação para o verdadeiro caminho da servidão.
Aqui, Lula falou em "espirro nos EUA e marolinha no Brasil". E, ao modo dos pícaros, a cada semana aparece uma nova história, com o calão raspando no chão. Pouco importa que a versão mais recente seja o oposto da anterior, pois há um traço de coerência no discurso: falar o que não faz e fazer o que não fala. Versão íngreme do grande Gil Blas de Santillana.

Para além da fenomenologia da crise, vale recordar aqueles (ao menos alguns) que procuraram ir além das aparências. Robert Kurz, por exemplo, vem alertando, desde inícios dos anos 1990, que a crise que levou à bancarrota os países do chamado "socialismo real" (com a URSS à frente), não sem antes ter devastado o Terceiro Mundo, era expressão de uma crise do modo de produção de mercadorias que agora migra em direção ao coração do sistema capitalista.

François Chesnais apontou as complexas conexões existentes entre produção, financeirização ("a forma mais fetichizada da acumulação") e mundialização do capital, enfatizando que a esfera financeira nutre-se da riqueza gerada pelo investimento e da exploração da força de trabalho dotada de múltiplas qualificações e amplitude global. E é parte dessa riqueza, canalizada para a esfera financeira, que infla o flácido capital fictício.

E István Mészáros, há muito mais tempo ainda, vem sistematicamente indicando que o sistema de metabolismo social do capital, depois de vivenciar a era dos ciclos, adentrou em uma nova fase, inédita, de crise estrutural, marcada por um continuum depressivo que fará aquela fase virar história. Não é por outro motivo que, embora alterne o seu epicentro, a crise se mostra longeva e duradoura.

E mais: demonstrou a falência dos dois mais arrojados sistemas estatais de controle e regulação do capital experimentados no século 20. O primeiro, de talhe keynesiano, que vigorou especialmente nas sociedades marcadas pelo "welfare state". O segundo, de "tipo soviético", que, embora fosse resultado de uma revolução social que procurou destruir o capital, foi por ele fagocitado. Em ambos os casos o ente regulador foi desregulado.

Processo similar parece ocorrer na China de nossos dias, laboratório excepcional para a reflexão crítica.

E, afinal, quem vai pagar a conta?

A OIT adverte: para 1,5 bilhão de trabalhadores, o cenário é turbulento e será marcado pela erosão salarial e ampliação do desemprego, não só para os mais empobrecidos mas também para as classes médias que "serão gravemente afetadas" ("Relatório Mundial sobre Salários 2008/2009").

Se uma das três grandes montadoras dos EUA (GM, Ford e Chrysler) fechar as portas, evaporam-se milhões de empregos, com repercussões funestas para o desemprego mundial. O Eurostat, que oferece as estatísticas da União Europeia, calcula que, se a indústria automotiva de lá cortar 25% dos empregos, gerará, numa tacada, 3 milhões de desempregados.

Na China, com quase 1 bilhão que compreende sua população economicamente ativa, cada ponto percentual a menos no PIB corresponde a uma hecatombe social, e os operários deserdados das cidades não têm mais o campo como refúgio. O PC chinês pode esperar nova onda de revoltas, ampliando o cenário da tragédia atual.

Sem falar nos imigrantes do mundo, errantes em busca de qualquer labor, que agora são expulsos em massa do "trabalho sujo", uma vez que ele também passa a ser cobiçado pelos trabalhadores nativos, inflados pela xenofobia e pressionados pela anorexia social.
Enquanto isso, uma parte grandona da "esquerda" atolou-se tentando remendar o velho sistema do mercado. Está, agora, em estado pasmado. Paralelamente, a magistral crítica da economia política do capital parece renascer das cinzas...

Será que os remédios que faliram no longo século 20 serão os antídotos da crise que parece liquefazer o capitalismo nos inícios do século 21?


Artigo de Ricardo Antunes, professor titular de Sociologia do Trabalho do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Publicado na Folha de São Paulo, dia 01/01/2009.