quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Democracia e discurso


Em um momento mais teórico do blog, acredito ser importante uma reflexão acerca da de teoria de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe para a compreensão da democracia. A teoria de Laclau e Mouffe parte da noção de discurso, onde todo objeto é constituído como um objeto de discurso, isto é, que nada tem sentido a não ser dentro de uma cadeia de significados, no interior de um discurso. Portanto, no aspecto político, a questão do poder se coloca como uma luta por estabelecer verdades e por excluir do campo da significação outros significados.
Utilizando os conceitos de particular e universal, podemos dizer que o universal é resultado das lutas entre diferentes particularismos para estabelecer seu discurso como hegemônico. Portanto se trata de significados em disputa, estes não podem ter um sentido a priori, uma essência, um sentido dado. Não há uma essência da realidade. Aí o ponto principal da ruptura de Laclau e Mouffe com o marxismo, ao se opor a um dos pressupostos básicos hegelianos, que é o da essencialidade e da totalidade.
Laclau e Mouffe argumentam que não há uma verdade absoluta a ser revelada, mas sim que são construções de sentidos, são discursos que dizem respeito a determinada coisa, fato, sentimento, e que tem como principal característica a precariedade, a provisoriedade dos sentidos, já que são construídos, não existem a priori. A negação do essencialismo torna-se, então, central na teoria de Laclau e Mouffe, a partir do caráter precário de toda identidade e a impossibilidade de fixação de sentidos. À luz destes primeiros conceitos podemos destacar a impossibilidade da emancipação como a possibilidade da democracia e vice-versa. Emancipação é impossível porque parte da idéia de essencialismo e busca a totalidade onde todos os sentidos são fixados. O rompimento com o marxismo segue a partir deste momento, uma vez que a idéia de essencialidade, como a da “essência revolucionária da classe trabalhadora dominada”, que teria que ser levada para o “caminho da verdade”, e não na permanência na “falsa consciência”.
A emancipação entendida por Laclau representa o fim da História, o fim dos conflitos, dos antagonismos, em que chegaríamos a uma verdade absoluta sobre tudo, não se teria mais discussões, nem política, nem democracia, ou ainda, que não passa de utopia, como vem provando a história, principalmente no decorrer do último século. A possibilidade de emancipação requer exatamente uma superação de pressupostos democráticos, isto é, requer a definição de um universal, fim dos particularismos, constituição de uma totalidade, uma fixação total dos sentidos, o fim da precariedade das identidades, o real deixa de ser uma positividade opaca que nos enfrenta, eliminação da distância entre o real e o racional, isto é, a essência humana é revelada. A democracia, ao contrário, definida como competição entre grupos para dar a seus particularismos uma função de representação universal. E a solução deste paradoxo entre universal e particular implicaria na fixação do universal, na totalização, na emancipação. O universal, assim como a democracia (que se constitui como universal) é um significante vazio, uma vez está contido em tudo e passa a ter cada vez menos significado. São os particularismos que vão buscar através de uma cadeia de equivalências construir uma hegemonia e dar sigificados provisórios a estes significados vazios.
Portanto a emancipação acarreta o fim da precariedade dos sentidos, das disputas entre particularismos, assim sendo o fim da liberdade. É neste sentido que podemos destacar ainda a idéia de Mouffe de um Paradoxo da Democracia, que consiste na tensão entre liberdade e igualdade, constitutiva da democracia. Para Mouffe, a compreensão deste paradoxo é vital para a política democrática para entender que democracia liberal resulta da articulação de duas lógicas que são incompatíveis no último instante que não há caminho no qual eles podem ser perfeitamente reconciliados.
A liberdade é herança da tradição liberal, principalmente na idéia de liberdades individuais e direitos universais, enquanto a igualdade é herança da tradição democrática, principalmente na idéia de soberania popular. A tentativa de unificar os dois pólos deste paradoxo é irrealizável, uma vez que a totalização de um supõe a supressão total do outro. É a tensão entre os dois que mantém a possibilidade da democracia, que se constitui então como um pluralismo agonístico, e não apenas antagonístico (dois elementos que se opõem, o “outro” não permite que “eu” seja completamente “eu”) onde particularismos se relacionam para organizar o espaço simbólico comum de diferentes maneiras.

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